sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

A DESOBEDIÊNCIA AO MAL

A civilização da Índia é uma das mais antigas do mundo. Templos magníficos, ricos objetos de arte, mitos e filosofias diversas provém dos diversos povos que lá habitaram desde 2500 anos antes de Cristo. Até por volta de 1500, época das navegações europeias, a Índia era um país de reis e de príncipes, com maravilhosa produção de tecidos finos e agricultura, sobretudo de especiarias – o que os europeus mais desejavam. Entretanto, a partir de 1600, a Índia passou a ser dominada por uma grande potência estrangeira, a Inglaterra, e dela tornou-se colônia. Pouco mais de 300 anos depois, era um dois países mais pobres do mundo: sua indústria foi arruinada e a agricultura não conseguia mais alimentar o seu povo. Durante todo esse período, houve revoltas e guerras pela liberdade e pela expulsão dos ingleses. Mas surgiu um homem que iria lutar por isso de forma bem diferente. A COLONIZAÇÃO DA ÍNDIA Em1600, a Inglaterra criou a Companhia das Índias Orientais, uma empresa mercantil, para explorar comercialmente a Índia, país então riquíssimo, cujos produtos os europeus cobiçavam. Aos poucos, a Companhia foi tomando conta da Índia, estabelecendo poderes, ocupando territórios, submetendo reis e príncipes, organizando exércitos. Em 1857, porém, os indianos se revoltaram contra a dominação da Companhia das Índias Orientais. Estourou a Guerra dos Sipaios (soldados indianos) para fazer a Índia independente, m as os ingleses venceram dois anos depois. Os ingleses tiveram sucesso. A Índia fechou suas indústrias e tornou-se uma economia rural. À medida que a revolução industrial avançava na Inglaterra, a Índia transformava-se em um país agrário e pobre. O PEQUENO HOMEM DE ALMA GRANDE Mohandas Karamchand Gandhi, depois chamado de Mahatma Gandhi (mahatma quer dizer “grande alma”), nasceu em 1869 na província de Gujerate, na Índia. Sua família era de classe média, profundamente religiosa, sobretudo, sua mãe, a quem era muito ligado. Tímido, pequeno e muito magro, Gandhi foi criado dentro dos preceitos do hinduísmo, mas sua mãe pertencia ao jainismo – outra religião da Índia -, que prega a pureza, o desprendimento dos bens terrenos e o vegetarianismo. Quando completou 13 anos, segundo um costume antigo, Gandhi casou-se, por arranjo de família, com uma menina de mesma idade que ele, Kasturbai. A vida inteira a esposa seria para ele uma grande amiga e companheira de seus ideais. Chagada a época de fazer um curso universitário, em 1888, Gandhi foi para a Inglaterra estudar Direito, deixando a família na Índia. A mãe o fez prometer que ele se manteria fiel a esposa e que não comeria carne nos anos em que ficasse fora. Ele cumpriu a risca, mas, quando voltou à Índia, teve uma grande tristeza: a mãe havia falecido. Tentou exercer a advocacia em sua terra natal, porém, sem muito sucesso. Conseguiu, então, trabalho coimo advogado de uma empresa indiana na África do Sul, onde iria passar muitos anos. A África do Sul também era colônia da Inglaterra, e os africanos – os verdadeiros donos daquela terra – eram talvez até mais escravizados do que os indianos. Naquele país, era proibida a convivência entre as diversas nacionalidades e etnias: os africanos e os indianos eram obrigados a ficar distantes dos bons lugares onde estavam os brancos. Indignado, Gandhi resolveu, a partir daí, lutar pelos direitos de seus compatriotas. Foi nessa época que Gandhi começou a usar seus métodos de não violência. Seu raciocínio era o seguinte: diante das leis injustas dos ingleses, os indianos deveriam desobedecer, não cooperar com o mal e com a injustiça, mas jamais usar de violência, ainda que os ingleses agissem com violência. E eles reagiam: com pancadas, prisão e até a morte. Um exemplo das ações de Gandhi na África do Sul: lá, um indiano não podia andar na mesma calçada que um europeu e tinha de portar um documento especial, que não era exigido para os brancos. Gandhi, então, organizou um movimento de queima desses documentos. Por ações como essa, foi várias vezes preso e espancado, assim como outros indianos e sua própria mulher que sempre estrava com ele. A cada lei injusta dos ingleses, Gandhi dava início a um movimento de resistência. Com isso, sempre colocava o governo britânico diante de uma situação muito delicada: ou prendia e matava todos eles – o que seria absurdo – ou acabava por mudar a lei. E esse era o objetivo de Gandhi. Gandhi não se limitava a organizar movimentos de desobediência à lei. Fundou também um ashram na África do Sul, chamado Fazenda Tolstói, em homenagem ao escritor russo que foi um dos inspiradores de suas ideais de não violência. Nesse ashram, procurava-se viver de forma diferente: não havia empregados ou servos para limpar, cozinhar ou arara a terra, e todos faziam o trabalho; as crianças recebiam educação com amor e diálogo; um jornal era impresso para divulgar as ideais de não violência. O ashram de Gandhi era visitado por pessoas de todo o mundo. INDEPENDÊNCIA SEM SANGUE Em 1915, de volta à Índia, Gandhi logo assumiu a liderança do movimento pela libertação do país da Inglaterra. Começou então a aplicar todos os métodos que já havia aplicado na África, por exemplo, convocava greves nacionais, em que todos permaneciam um dia sem trabalhar, apenas orando, como protesto contra o domínio inglês. Como a indústria de tecidos inglesa arruinara a indústria indiana, Gandhi pediu à nação que queimasse todos os tecidos ingleses que possuíssem e usasse apenas tecidos feitos na Índia. Ele chamava isso de não-cooperação: não cooperar com o que considerava injusto. Com esse movimento, Gandhi incentivou a volta do artesanato local. Em outra ocasião, Gandhi desafiou o Império Britânico com a “marcha do sal”. Entre outras injustiças praticadas contra a Índia, havia o monopólio do sal: apenas a Inglaterra podia produzir e vender sal... e, portanto, cobrar o preço que quisesse. Gandhi reuniu milhares de pessoas e andou a pé 400 quilômetros até chegar ao Oceano Indico. Diante da multidão e de câmeras fotográficas do mundo inteiro, produziu sal, como um ato de desobediência à lei. Depois desse gesto, em todos os recantos da Índia, seguidores de Gandhi passaram a produzir sal. A cada ação organizada por Gandhi, os ingleses enchiam as prisões de rebeldes, mas não conseguiam deter a desobediência dos indianos. O próprio Gandhi esteve na cadeia várias vezes – numa delas, por seis anos. Mas nunca desistiu da ideia de libertar a Índia e nunca apelou para a violência. Gandhi não pretendia apenas libertar a Índia, mas viver de maneira exemplar ideias que julgava verdadeiras e boas para toda a humanidade, inspiradas principalmente no Hinduísmo e no Cristianismo. Ele amava profundamente Jesus e adotava seus ensinamentos. Eis, aliás, a primeira característica de sua filosofia: a ideia de que todas as religiões eram verdadeiras e todas continham bons ensinamentos que podiam ser aproveitados; ao mesmo tempo, todas também tinham absurdos que deveriam ser criticados. Gandhi admirava Buda, Jesus, Maomé... Ele era o mais tolerante entre os tolerantes e chegava a dizer: Sou ao mesmo tempo hindu, cristão, muçulmano, judeu... A ideia de fraternidade entre as religiões eram apenas uma parte de sua proposta de não violência. Ela incluía a piedade pelos animais, e Gandhi era estritamente vegetariano – não comia carne de espécie alguma. AS CONQUISTAS E A MORTE Foram necessários 30 anos, desde que Gandhi iniciara o movimento, para que a Inglaterra finalmente reconhecesse a independência do povo indiano. Gandhi dizia sabiamente: “O bem viaja com a velocidade de uma lesma. Aqueles que querem praticar o bem não são egoístas, não estão com pressa, sabem que é preciso muito tempo para impregnar as pessoas com o bem.” Entretanto, deu-se um fato doloroso para ele, que era chamado “bapu” (pai) pelo povo de sua terra. Foi decidido, contra a sua vontade, que a índia seria dividida em dois países: a Índia, com a maioria de adeptos da religião hindu, e o Paquistão, com a maioria de adeptos da religião muçulmana. Essa divisão provocou uma guerra interna entre muçulmanos e hindus, causando a morte de milhares de pessoas. Foi então que Gandhi jurou fazer jejum até a morte, para que cessassem os conflitos. Passavam-se mais de quinze dias e Gandhi já estava definhando quando muçulmanos e hindus, comovidos, declararam a paz. Gandhi retomou à vida. Mas foi por poucos dias. Em 30 de janeiro de 1948, ele se dirigia a uma oração pública, amparado por duas sobrinhas. Um jovem aproximou-se, saudou-o e disparou três tiros em seu peito. Gandhi só pôde dizer: “Ó Deus!” O jovem era um hindu, inconformado com a paz. Sua morte foi rápida, instantânea. Mas o bem que deixou ainda está entre nós, caminhando como lesma, para impregnar todos os seres humanos. VEGETARIANISMO E RELIGIÃO Mahatma Gandhi foi um grande defensor do vegetarianismo. Acreditava que não temos necessidade de nos alimentar de carne, pois esse tipo de alimentação não é apropriada para a nossa espécie. Afirmava que as pessoas deveriam seguir o princípio da não-violência e do amor a Deus, pois a alimentação à base de carne é obtida por meio da violência e de grande crueldade para com os animais. Segundo ele, a única forma de viver, é deixar viver. Não foi apenas Gandhi que relacionou o vegetarianismo à religião. Nas primeiras escrituras da religião védica (da antiga índia, de 5 mil anos atrás) já havia referências ao fato de seus adeptos precisarem se abster de carne. Embora já houvesse orientações vegetarianas nos textos dos vedas, o filosofo Pitágoras, que viveu a cerca de 2500 anos, é considerado o pai do movimento vegetariano. Por quase 2 mil anos, os europeus chamaram de “pitagóricos” aqueles que mantinham uma alimentação vegetariana. O termo vegetariano somente passou a ser utilizado após a fundação da Sociedade Vegetariana Britânica em 1847. Algumas das principais religiões do mundo defendem uma alimentação vegetariana. Os Budistas, seguindo o exemplo da não violência de Buda, que inspirava Gandhi, não aceitam ferir outras criaturas viventes; da mesma forma os hinduístas.

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