sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

DEUS ESTÁ ONDE ESTÁ O AMOR

O conto a seguir é da autoria do escritor e pensador russo Leon Tolstoi (1828-1910): Havia numa cidadezinha um sapateiro que morava num porão com apenas uma janela que dava para a rua. Embora visse apenas os sapatos de quem passava pela rua, ele conhecia todas as pessoas pelos sapatos que usavam. Estava sempre muito ocupado, pois trabalhava com perfeição, por isso todos o estimavam e nunca lhe faltava serviço. O sapateiro sempre fora um homem bom, mas, ao envelhecer, começou a se preocupar mais com sua alma e a querer se aproximar de Deus. Sua mulher havia morrido e deixado um filho de três anos. Ele cuidou bem do menino, mas, quando este atingiu a idade de ajuda-lo, adoeceu e morreu. A perda do filho o fez sofrer tanto que ele chegou a murmurar contra a justiça divina. Sentia-se tão infeliz que pedia a Deus que o levasse também. Certo dia foi à casa do sapateiro um amigo que havia oito anos percorria o mundo como peregrino. Conversaram muito tempo e o sapateiro se queixou amargamente de sua desgraça. O amigo lhe disse que não devemos julgar a vontade de Deus, pois suas razões estão acima do nosso entendimento, mas devemos viver para Deus. Indicou-lhe também a leitura do Novo Testamento para saber como se vive para Deus. Aquelas palavras calaram fundo na alma do sapateiro, que começou a leitura do Novo Testamento nos dias de folga. Ficou tão encantado com a leitura que em pouco tempo estava lendo todas as noites. À medida que progredia na leitura, ia compreendendo com maior clareza o que Deus exigia, como viver para Deus, e a alegria penetrava docemente sua alma. As belas histórias, os ensinamentos, as parábolas, lhe inundavam o coração de alegria, imersos em profundas reflexões, comparava seus próprios atos às palavras do Cristo. Certa vez, de repente, ao cochilar em cima do Evangelho ouviu uma voz dizendo-lhe que olhasse para a rua, pois no dia seguinte iria receber a visita de Cristo. Levantou-se, então, antes do amanhecer e fez suas orações. Pôs-se a trabalhar, espiando de vez em quando pela janela; quando passavam botas desconhecidas, levantava-se para ver o rosto da pessoa. Num dado momento, passou um velho soldado de nome Stepavitch. O solado parou em frente à janela e começou a tirar o gelo. O sapateiro riu de si mesmo dizendo: - O soldado vem limpar a neve e imagino que Cristo vem me visitar. Estou delirando. Mas pensou: “Este infeliz está muito velho para tirar a neve, vou oferecer-lhe uma xícara de chá”. Chamou o velho e serviu duas xícaras de chá bem quente para recompor o frio. Enquanto o soldado tomava o chá, o sapateiro começou a lhe falar sobre vida de Jesus e sobre sua bondade, e o homem, que não sabia ler, ouvia aquelas palavras com muita atenção. Entre uma palavra e outra, as lágrimas escorriam no rosto do velho soldado. O velho agradeceu do fundo da alma e saiu confortado. O sapateiro voltou a costurar e a espiar pela janela, pensando em tudo o que Jesus dissera. Apareceu, então, uma mulher com sapatos de camponesa. Ele olhou para aquela desconhecida com uma criança nos braços. Apesar do frio, a mulher usava roupas leves. O sapateiro convidou-a a entrar e ela aceitou. A mulher não tinha mais leite para amamentar a criança e não comia nada desde a manhã. O sapateiro cuidou do menino e deu de comer à mulher. Procurou entre as roupas penduradas na parede, encontrou um velho manto de lã e entregou-o a ela. Deu-lhe também as poucas moedas que tinha, para ela cuidar da criança. Contou-lhe, ainda, que ouvira uma voz dizer que Jesus viria à sua casa. A mulher achou a coisa possível, pegou o manto, enrolou o menino e agradeceu. O sapateiro retornou ao trabalho. Enquanto trabalhava, espiava a rua. A cada vulto que se aproximava, levantava os olhos para ver quem era. Alguns eram conhecidos, outros não. A essa altura, a velha vendedora de maçãs, parou em frente à janela. Apareceu um garoto e roubou suas maçãs. Antes que conseguisse fugir, a velha agarrou-o pela manga. O garoto tentou escapar, mas a velha estava furiosa. Sem perder tempo, o sapateiro correu para fora. A mulher batia no menino, ameaçando entregar-lhe a polícia. O garoto negava o furto. O sapateiro separou os dois e segurou a mão do menino. Perguntou à velha se não podia perdoa-lhe em nome de Cristo. Ela soltou o garoto. O menino começou a chorar e pediu perdão. O sapateiro o consolou e lhe deu uma maçã. Falou-lhe sobre o perdão de Deus e contou a Parábola do Senhor que perdoou a dívida do servo e o mesmo servo quis enganar um devedor (na aula 19.069 JESUS E A COMPAIXÃO, você conhecerá esta parábola). A velha e o menino ouviam, quietos. A velha concordou com a necessidade do perdão e falavam ainda da necessidade de os mais velhos, educarem bem a infância. O menino acabou levando o cesto de maçãs para a senhora. O sapateiro entrou, acabou o serviço e pegou o Evangelho na prateleira. O livro se abriu numa página. O sonho voltou-lhe à mente. Ouviu novamente a voz sussurrando ao seu ouvido: - Você não me conhece? - Quem é você? – perguntou o sapateiro. As três cenas lhe vieram à cabeça: a do soldado, a da moça e a da velha. O sapateiro sentiu imensa alegria no coração. Começou a ler o Evangelho na página aberta: “Tive fome e deste-me de comer, tive sede e deste-me de beber; eu era estranho e me acolheste”. No final da página estava escrito: “O que tiverdes feito pelo amor dos meus irmãos, é a mim que fizestes”. O velho sapateiro compreendeu que seu sonho era verdadeiro. O salvador viera à sua casa naquele dia nas pessoas que precisavam de ajuda e ele o havia acolhido. (Leon Tolstoi. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1962. Adaptado para fins pedagógicos.)

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